Capítulo 1.
Bethânia
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Viajei em meus pensamentos ao tentar ajeitar o que sobrou do meu cabelo, após passar a noite em claro, me preocupando com o dia de hoje.
“Pronto!”, pensei alto ao colocar uma presilha preta pra segurar a minha franja.
Eu sabia que deixar essa franja crescer ia dar trabalho, mas não imaginei que fosse demorar tanto. Até que a presilha preta deu um contraste no ruivo do cabelo. Agradeço à Tânia, minha cabeleireira, que não me deixou pintar o cabelo. Fora que minha mãe ia pirar se soubesse que pensei pintar as minhas madeixas. Ela sempre diz que eu tenho que agradecer a Deus por ter nascido ruiva como o meu pai…
“Hoje em dia é muito difícil encontrar uma ruiva verdadeira viu, dona Bethânia!” as suas palavras soavam como martelo em minha mente... rs, rs.
“Aff, coisas de mãe!”, pensei.
Eu só queria ter dado uma mudada na aparência antes de entrar no colegial, e também se meu cabelo estivesse castanho, daria um destaque aos meus olhos azuis piscina que, aliás, é uma das coisas que mais gosto em mim, pois são iguais aos da mamãe, e amo o olhar da minha mãe. Com um sorriso em meus lábios, olhei dentro dos meus olhos através do espelho e falei em voz alta:
— Vai dar certo, Bê! Não se preocupe. Afinal, você não é a única que está começando o seu primeiro ano no colegial. Claro que você mudou de cidade e que nenhum dos seus amigos vão estar lá... — suspirei ao perceber que meus olhos estavam cheios de água.
Meus amigos... Todos estarão indo para a mesma escola, vivendo o nosso sonho! Ah, quantos anos planejamos por este dia... E aqui estou! Me arrumando para ir a uma escola onde não conheço ninguém.
“…NINGUÉM!”
— Não chora, não chora... Vai borrar a maquiagem...
Mais uma vez, em voz alta, tentei me encorajar:
— Você vai se dar bem, coloque de lado o seu medo e timidez e o dia vai passar rápido e logo, logo, você vai estar cheia de amigos na sua nova escola. — Sorri mais uma vez, ao perceber que estava funcionando!
Minha mãe me ensinou essa tática, e jamais vou esquecer as suas palavras…
“Filha, quando você estiver triste e precisando de encorajamento, vá até o espelho e fale o que você precisa ouvir! Fale com convicção, deixe que a Bê confiante, corajosa e guerreira que há dentro de você fale mais alto e sempre tenha fé que Deus vai tocar o seu coração. Nunca se esqueça de sorrir, pois um coração alegre embeleza o rosto.” A lembrança era tão real que eu até podia sentir a sua mão alisando o meu rosto.
— Bethânia…
A voz da minha mãe surgiu do nada, vindo do corredor com um tom estridente que me fez pular de susto da penteadeira.
— Ai mãe... Você quase me mata do coração com esse grito.
— Claro… Eu estou te chamando há 15 minutos pra você descer pra tomar café e nada! Vem logo!
— Já estou indo, só mais um minuto!
Pronto, uma última olhada no espelho…
Espero que esta blusa xadrez não dê a impressão de que eu vim da roça. Ri de mim mesm e, sem perceber, fiz de novo. Olhei nos meus olhos pelo espelho e disse…
— Tá na moda, boba!
Balancei a cabeça e disparei a rir da minha tática, quero dizer da tática da minha mãe. Me levantei e, ao sair do meu quarto, dei de cara com a minha mãe que já estava preparada pra me arrancar do quarto. Tomei aquele susto, pra variar.
— Ai mãe! A senhora quer realmente me matar de susto hoje, né?!
Ela sorriu, me deu um beijo no rosto e disse:
— Você está linda, Bê!
— Obrigada, mãe! — dei um sorriso sem graça, porque não sei lidar muito bem com elogios.
Descemos a escada e quando chegamos à cozinha meu pai estava lá, me esperando com uma caixinha de presente na mão.
— Pai! — pulei no seu pescoço quase o derrubando da cadeira.
Minha mãe gritou:
— Bê!!! Você vai derrubar seu pai, menina! Eu nem dei bola e abracei meu pai com mais força ainda.
— E este presente aí…? — perguntei ao apontar para a caixinha cor de rosa.
— É para você minha linda!
Ele abriu a caixinha e lá tinha um colar com um B maiúsculo dentro de um coração.
— É lindo Pai... Eu amei, por favor, coloca no meu pescoço. — implorei saltitante de tanta alegria.
— Bê, eu e sua mãe queremos que você use esse colar neste novo tempo que temos vivido. Eu sei que hoje é um dia que você planejou para passar com seus amigos de Nova York. Entretanto, Deus nos trouxe a Nova Jersey com um propósito. Eu sei que meu trabalho me transferiu, mas eu tenho certeza que tudo foi permitido por Deus.
Seus olhos azuis escuro brilhavam, e percebi um pouco de tristeza por eu estar nesta situação. Meu pai sempre me entendeu, e isso me fascinava nele.
— Bê… — falou, ao tocar no meu queixo e erguer meu rosto, até que ele pudesse olhar dentro dos meus olhos.
— Quando você estiver insegura, com medo, triste, não importa a circunstância, eu quero que você olhe para este colar e lembre que você é a minha Bê… Bela! Brilhante! Bondosa! Brincalhona!
— Bem-aventurada, bem-humorada, bem especial, bem perfeita!!! — minha mãe continuou, envolvendo-nos no seu abraço, que eu apelidei de abraço de mãe ursa. Daqueles que apertam e tiram o ar da gente.
— Awwnnn obrigada, mãe! Mas, também não vale colocar ‘bem’ na frente de tudo, né?” — Eu e papai caímos na gargalhada.
Ela colocou as mãos na cintura e respondeu com ironia…
— Posso sim! Sabe por quê? Porque você é Bemmmm do jeitinho que eu pedi a Deus — e todos caímos na gargalhada.
— Obrigada, viu! Eu amo vocês demais! E não se preocupem, eu estou bem. Vai ser legal conhecer pessoas diferentes.
Tentei disfarçar a minha insegurança, pois, eu não queria preocupá-los. E, ao mesmo tempo, tentei me convencer de que tudo daria certo e que, no final de tudo, seria uma experiência maravilhosa.
— Eu já vou indo, então, porque falei para o meu chefe que só ia chegar 30 minutos atrasado. — meu pai se levantou e se despediu com um beijo na minha testa.
— Você é o meu maior orgulho, Bê! Eu te amo!
— Eu também, pai. — ratifiquei o meu amor a ele e apertei o B do meu mais novo objeto favorito.
— Leite quente ou frio? — minha mãe perguntou ao fechar a porta da geladeira, e se assustou ao receber um beijo súbito e rápido do meu pai, que saiu às pressas depois de sussurrar para ela: “Eu te amo!”
— Nenhum dos dois. — respondi ao dar um leve sorriso envergonhado ao vê-los se beijando na minha frente.
— Como assim nenhum dos dois? — minha mãe perguntou, franzindo a sua testa como se me recriminasse por não querer tomar leite pela manhã.
— Eu vou tomar café na escola mesmo, assim, quem sabe, eu já faço amizade com alguém e fico mais tranquila o restante do dia. — soltei aquele sorriso que deixa qualquer mãe com o coração na mão e aproveitei e peguei novamente no meu colar novo, para ver se ela se lembrava da Bê... bem meiga!
Levantei para sair e, ao pegar a minha mochila, meu celular tocou lá em cima no meu quarto. Joguei a mochila no chão e sai correndo, subi as escadas em tempo recorde. Com certeza, era ele! Era o John, só podia ser ele.
— Alô! — atendi sem olhar e quando ouvi a voz que respondeu do outro lado, meu coração saltou de alegria. Era o John.
— John!!! Achei que você tinha esquecido de mim.
— Jamais, Bê. Acordei atrasado, daí você já viu, né?!
— Só você mesmo. Eu nem consegui dormir direito, de tão preocupada que fiquei! Queria tanto estar aí com vocês. Meu coração está disparado de medo.
Uma gargalhada surgiu do outro lado, mas como sarcasmo mesmo, tirando uma onda gigante de mim.
— Você, com medo?! Logo você que é uma das garotas mais confiantes que eu conheço! A alegria da festa! Não se preocupe não, você vai se dar muito bem, eu tenho certeza.
— Bethânia, você está atrasada.
O grito da minha mãe me fez distrair e eu perdi o final da frase que John falou bem baixinho.
— John, tenho que ir. A minha mãe já está gritando que estou atrasada. Te ligo no final da tarde, dê um alô para as meninas por mim e diga que o meu primeiro ano não será o mesmo sem vocês.
— Eu que o diga. — ele suspirou do outro lado e a tristeza era notável em sua voz.
Ah! Por isso que eu me confundi com o sentimento do John por mim. Eu e minhas crises de adolescente de ter que colocar amor em frente de todo sorriso que levo de um garoto. Demorou, mas eu entendi que o John só me via como uma irmã, difícil foi fazer o meu coração entender isso! Se é que ele entendeu... até hoje tenho minhas dúvidas. Desliguei e, antes de sair, dei mais uma olhada no espelho e disse...
— Vai dar tudo certo!
Desci as escadas correndo e, para minha surpresa, minha mãe já estava lá fora me esperando. Peguei a mochila do chão e apressei os passos antes que ela gritasse novamente.
— Trancou a porta? — ela perguntou.
— Sim. — respondi ao entrar no carro.
— Quem era no telefone? — ela perguntou com um sorriso de já imagino no rosto.
— Você sabe… — respondi com o mesmo sorriso de esperta.
— Hummm, você e o John ainda vão se casar. — ela falou meio que cantarolando.
— Ai mãe, que implicância. Não posso ter amigo, não? O John me vê como uma irmã mais nova, aliás, ele é o irmão que você não me deu. — brinquei com ela, ao me lançar no seu pescoço para lhe dar um beijo.
— Irmão que não te dei, sei, bem sei!!! — Lá do fundo da mente a Bê corajosa e verdadeira deu o ar da graça com a sua opinião, enquanto eu abraçava a minha mãe. Até que ela demorou em dar sua não desejada opinião hoje.
— Outro??? De maneira nenhuma, Deus já sabia que as minhas mãos estariam muito ocupadas com você. — mamãe respondeu e nem terminou a frase e já tinha soltado uma gargalhada. O seu olhar radiante tirou a minha mente da dor que meu coração sentiu ao ouvir a verdade que ecoava dentro de mim.
— Até parece que eu dou tanto trabalho assim. Não faço nada de errado nessa vida. Tudo de acordo com o que os senhores Smith me ensinaram.
E, com um sorriso no rosto, me lancei de volta no banco e coloquei o cinto ao tentar empurrar a dor que eu ainda sentia por ter me deixado cogitar ter algo a mais com o John. Como eu fui boba!
— Agora você falou certo, você nunca me deu uma decepção nessa vida, um anjo de Deus para mim. Espero que continue assim. — ela piscou, ao olhar para traz para sair da garagem. E, em meio à minha luta interna, consegui soltar um sorriso de volta para ela.
— Até parece… — eu respondi ao abrir a mochila pra checar se não tinha esquecido nada.
Peguei o celular e mandei um what’s para Lucy, Rita e John.
Bê: Boa sorte no primeiro ano de colegial de vocês (menos pra você John que é sortudo e já está no segundo ano). O meu primeiro dia não será o mesmo sem vocês. Nos vemos hoje à noite. Ainda bem que hoje é sexta, né?”
Apertei o botão de enviar e meu coração apertou um pouco mais. É tão estranho passar por essas ruas que para mim são tão sem vida. Nenhuma memória marcante como nas ruas de Pelham, em Nova York! Fechei os meus olhos e pedi a Deus para me ajudar no dia de hoje. Tudo o que é familiar aos meus olhos está a 40 minutos daqui. E se eu pudesse escolher, tinha ficado com a vovó Ana. Ainda bem que ela mora lá e todas as sextas eu vou para a casa dela. A boa notícia? Que hoje é sexta! Só nos Estados Unidos pra começar as aulas na sexta, quero dizer na quinta. Porque ontem eu fiz o favor de faltar. De repente, meu celular apitou e os três me responderam.
Rita: Sortuda! Vai conhecer um monte de gente nova! Quem sabe até um novo amor... você bem que está precisando! Mas, vou sentir muiiitooo a sua falta!
Balancei a cabeça e dei uma risadinha. Tinha que ser a Rita mesmo. Sempre pra frente! Li o próximo e era da Lucy.
Lucy: Bêêê.... o que vai ser de mim nesta escola sem você!!! Quem vai me fazer rir? Saudades da minha amiga. Boa sorte aí viu, e vê se me manda novidades durante o dia! Arrasa aí!
Sempre melancólica a minha linda loira. E agora, vamos ver o que meu irmão mais velho tem a dizer.
— Há, há há! Irmão mais velho! Essa vai me fazer rir a semana inteira.
Ai que chata essa consciência ridícula que decidiu acordar cedo hoje. A crítica Bethânia que habita em mim sempre dá o ar da graça para atrapalhar os meus pensamentos. Virei os olhos e voltei a olhar o meu celular para ler a mensagem de John.
John: Bê, se cuida por favor! Depois te ligo pra saber todas as novidades! Por favor, não esquece de mim aí não, viu? Nos vemos mais tarde! ;)
Ai! Meu coração deu até saltinhos, mas eu logo dei um jeito de colocá-lo no lugar dele. Nada de voltar à ilusão do verão. De agora em diante, ele vai estar pronto pra se apaixonar de verdade, nada de confundir sentimentos!
Tá na hora de crescer e viver a realidade! Chega de viver no mundinho dessa minha mente criativa. Menos de cinco minutos e minha mãe estacionou na porta da escola. Meus olhos mal podiam acreditar no que estava diante deles. A escola gigantesca estava cheia de alunos no maior papo. Da última vez que passei por aqui não tinha ninguém na frente, e ver aquele montão de gente diante de mim fez meu coração disparar e eu me arrependi de não ter tomado café em casa.
“Onde eu estava com a cabeça?”, pensei ao sentir meu coração quase sair pela boca de tanto que acelerou.
— Tudo bem, Bê? — minha mãe perguntou, percebendo a expressão de medo em meu rosto.
— Sim, mãe. É enfrentando que se vence! Certo?
— Isso aí filha, se precisar de alguma coisa é só mandar um Whats, viu?
— Tudo bem, mãe! Te vejo às 15h.— Dei um beijo rápido e sai do carro. Respirei fundo e pensei, ao sussurrar ao mesmo tempo:
— Bethânia Smith, aí vamos nós! Boa Sorte!
Como eu não tinha nenhum espelho diante de mim, o jeito foi me encorajar assim mesmo!