Capítulo 4.
Bethânia
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Com os meus olhos fechados fiquei mais um tempo encostada na parede tentando de alguma forma entender os últimos minutos da minha vida. Sem ar! Essa era a expressão que definia minha situação naquele exato momento. Resolvi fazer uma oração antes de continuar o meu dia, porque eu não me lembrava de ter feito nenhuma oração hoje, tinha certeza que a minha líder me perguntaria como tem sido a minha vida de oração. Com os olhos fechados, orei no meu pensamento, para ninguém pensar que eu estava maluca.
“Deus! Meu Deus, que dia! Quero dizer, que começo de manhã! Me desculpa, pois eu esqueci de falar com o Senhor mais cedo, foi a correria. E me perdoe, pois eu tenho orado pouco esses dias, acho que sem querer, estou te culpando um pouco por causa da mudança, mas acho que nesse exato momento, eu estou começando a gostar da ideia da mudança. Eu sei que aprendi no discipulado que temos que guardar o nosso coração e tal, mas, Deus! Com certeza, o Senhor viu como o meu coração ficou quando eu vi o Mark. Eu acredito que estou gostando de alguém pela primeira vez Deus, isso é muito bom, não é? E quando digo alguém o Senhor entende que o John não conta! Porque sinto a mesma coisa por ele desde que me entendo por gente! Ah, Deus! Mas com o Mark está sendo diferente. Acho que eu tinha razão, quando pensei no que aconteceu com o meu coração para com o John, foi ilusão e confusão de pensamento! Mas, com o Mark está sendo diferente!
Ai, Deus! Eu espero que sim, porque eu acho que desde a mudança eu não me sentia tão bem. Obrigada por me ouvir! Agora, eu vou indo, se não vou perder o restante do tempo que tenho antes da primeira aula. Até logo, Deus!”
Abri os olhos e olhei para o relógio! Ai, ai, ai! Faltava menos de vinte minutos para tocar o sinal da primeira aula.
“Bom, pelo menos eu sei onde é a cafeteria! Estou começando a me arrepender de ter convencido a minha mãe de ter vindo à escola conhecer a senhora Kim, antes do primeiro dia de aula. Tudo bem, eu poderia ter vindo à iniciação dos novatos e ter tido tempo para procurar as minhas salas, mas queria mais tempo para ficar com os meus amigos.” Sai andando bem rápido, para não perder tempo!
“Meus amigos, ai, ai, ai, o que será que eles vão pensar do efeito que o Mark teve em mim? As meninas vão amar, eu tenho certeza, já o John... Meu Deus! O John! O que o John vai pensar?” Meu coração deu um tranco e uma dor só de pensar no John!
“Ah, o John é meu amigo, praticamente um irmão!” Pensei, quando de repente uma voz interior que eu conhecia muito bem, a senhorita Bê, que sempre se intromete onde ela não é chamada, resolveu opinar na minha linha de raciocínio.
— Amigo??? E aquele diário cheio de cartinhas de amor para o John, heim?” Meu coração derreteu de tristeza.
“Passado.” Pensei, erguendo a cabeça ao entrar na cafeteria e me assustei com o número de alunos que ainda estavam ali. Fui direto para fila pegar uma fruta, na certeza, que a minha mãe não ficaria muito nervosa se eu falasse para ela o que eu tinha comido.
Quando ela perguntasse, pois eu tinha certeza, que ela perguntaria, eu, então, responderia... “Ah mãe! Comi bem saudável, comi umas frutas!” Dentro de mim, dei uma risadinha e balancei a cabeça ao pegar uma maçã e ir até o caixa pagar. “Maçã com sal sempre ajuda a subir a pressão, que na minha opinião, já me sentia melhor!”
Assim que paguei, fui logo em direção à saída porque queria continuar a minha discussão com a Bethânia interior que sempre cisma em me dar lição de moral. Ao subir as escadas, voltei ao meu raciocínio anterior ao comer a maçã.
— Passado! O que eu sinto pelo John foi confundido por um curto período de tempo, por um sentimento além da amizade! — pensei alto, para ver se conseguia vencer a luta interior que tenho vivido desde o ano passado, com relação aos meus sentimentos pelo John.
— Bem, que esse sentimento faz parte do passado, isso eu sei muito bem, mas que ele está bem PRESENTE e com certeza estará no FUTURO eu tenho absoluta certeza. A não ser que você desista do amor da sua vida.
Meu coração disparou de raiva desta consciência ridícula, que me conhecia melhor do que eu mesma. Ao chegar na sala de aula, eu entrei e rapidamente procurei um lugar para sentar.
“Presente nada, eu coloquei uma pedra nas ilusões da minha cabecinha oca, quando eu percebi que o John me vê como uma irmã. Boba fui eu de ficar ouvindo todo mundo dizendo que um dia iríamos namorar. Namorar amigo, não está com nada!”
— Ah… e namorar inimigo é o auge do amor, então...
Balancei a cabeça e ri até por dentro, só eu mesma para ficar brigando comigo. Mas, sinceramente, quem não implicaria com uma mente que parece ter sido criada para vir com pensamentos chatos em momentos inoportunos. Ri e olhei para frente ao ouvir o sinal tocar e o restante do pessoal entrar na sala.
A senhora Joana era bem baixinha, acho que ela tinha o meu tamanho, porque eu também não sou aquela altura toda, mas estou em vantagem já que tenho quinze anos. Ela começou a aula dizendo que hoje conheceríamos uns aos outros. Coisa do tipo, o país onde havíamos nascido, de onde os nossos pais eram, tipo, ela queria saber da nossa origem. Prestei bastante atenção, enquanto ela ia passando de aluno para aluno. Até chegar na minha vez. Para variar um pouco, meu rosto deu aquela esquentada básica, e eu fiquei parecendo um pimentão vermelho.
— Bethânia! Sua vez querida. — a voz suave da senhora Joana me fez voltar da minha fuga interior, de tanta vergonha que eu estava de ter ficado vermelha daquele jeito.
— B…Bem..
E lá estava o meu mais novo amigo, um gaguejar rápido e nervoso que estava fazendo questão de aparecer no dia de hoje. Respirei fundo, tomei coragem e pensei... Bem, que a Bê corajosa possa dar a graça da sua presença neste momento crucial.
— Eu nasci em Nova York, mais precisamente em Pelham. Em minha casa mesmo! Minha mãe é meio prol – Sofrimento natural!
Todos caíram na gargalhada do meu tom sarcástico e dentro de mim eu estava pulando de alegria, pois eles estavam rindo do meu sarcasmo, em vez de revirar os olhos de tão sem sal que é a minha história.
— Sério mesmo! — continuei um pouco mais animada.
— O sonho dela era ter o seu bebê como as mulheres de dois mil anos atrás, sem anestesia e em casa mesmo. Muito corajosa ela. — virei meus olhos e dei um leve sorriso com um pouco de timidez ao olhar para senhora Joana.
— Uau, corajosa mesmo a sua mãe. Já vi que ela é das minhas! Eu sou uma admiradora nata das mulheres que enfrentam os seus medos e é dai que descobrimos as revolucionárias que vamos estudar neste ano letivo. Mas, vamos deixar o estudar para mais tarde. De onde são os seus pais Bethânia? — ela perguntou com um sorriso enorme e um olhar cheio de interesse em minha família.
— Bem, minha mãe também nasceu em Nova York, porém a minha avó nasceu no Brasil e veio bem nova para cá, já o meu avô sempre foi de Nova York. Ele costumava dizer que a família dele se mudou assim que começaram a povoar as terras de Westchester, Nova York! Já o meu pai é da Califórnia, e os meus avós paternos são de lá também. Acho que já estão lá a mais de três gerações, antes eles eram da Escócia.
— Que legal! Então, você tem um pouco do sangue escocês e brasileiro dentro de você! Que mistura legal! Você sabe sambar? — ela perguntou toda entusiasmada.
— Um pouco! Não como as brasileiras. Eu faço Ballet e Jazz desde os meus cinco anos, então, aprendi um pouco do samba, mas não tenho a ginga brasileira não! — ai que vergonha, todo mundo olhando para mim. Só falta ela pedir para eu sambar para ela. Uma gargalhada interna me fez abaixar a cabeça com medo que transparecesse em meus lábios e olhos.
— E você já foi ao Brasil? — ela continuou.
Ufa! Menos mal, ainda bem que ela não me pediu para sambar. E a gargalhada interna aumentou mediante ao meu alívio. Lutando para segurar a gargalhada dentro de mim, eu respondi e levantei a cabeça aos poucos.
— Não. — fui curta em minha resposta para ver se ela se toca de que meu momento de exposição já estava passando dos limites.
— Que pena. E você Fred? De onde você é? — ela finalmente perguntou para o menino, que senta atrás de mim.
A aula passou bem rápida, rimos até das perguntas sem noção da senhora Joana. E assim que o sinal tocou ela gritou para que todos ouvissem em meio ao barulho dos alunos se levantando para sair da sala.
— Hoje, foi água com açúcar, viu! Na segunda estejam prontos para estudar de verdade.
Um sorriso orgulhoso passou levemente em seus lábios. Eu tratei logo de sair, porque ainda tinha que procurar a minha próxima sala de aula. Com certeza, não é muito longe já que o número é 157. Deve ser no mesmo andar e um pouco mais pra esquerda da sala da senhora Kim. Passei bem rapidinho pela sala da senhora Kim e ela estava atendendo a mais um aluno. Coitada! Hoje, deve ser um dia bem corrido para ela, todos os novatos cheios de dúvidas e outros enchendo a paciência dela para trocar de sala.
Espero que eu goste de todas as minhas classes, porque eu não quero torrar a senhora Kim para mudar, e também fica uma situação chata com o professor. Ah! Finalmente, sala de número 157. Literatura Avançada para o segundo ano do colegial, lá vou eu. Quem mandou estudar muito no primário. Pega avançado no colegial.
“Ai! Eu espero que não seja muito difícil, na realidade eu espero que seja uma sala legal. Porque preciso de um ambiente “paz e amor”, para escrever minhas redações!”
Ao entrar, não vi o professor na sala. Alguns alunos já haviam escolhido o seu lugar e eu procurei logo um lugar no meio, pois na frente aparece demais e atrás da à impressão de quem não quer estudar para todo professor. Pelo menos, no meio eu fico meio neutra. Assim que me assentei uma menina colocou os cadernos sobre a minha mesa, fazendo um barulho que me fez saltar na cadeira.
— Oi! Eu sou Natália. Mas, para os amigos eu sou Natty. E como vou me sentar na sua frente por praticamente um ano, acho melhor sermos amigas. Pois, quando estou sem inspiração em uma composição gosto de perguntar por ideias! — ela até perdeu o fôlego para falar e soltou aquele sorriso bem grande meio que esperando uma resposta.
— O… oi. — E lá estava o famoso gaguejar do dia! Aff, que raiva, será que não vai me deixar em paz não é! “EU NÃO GAGUEJO!” Soltei um grito interior para ver se melhorava a situação e com um leve sorriso me apresentei para Natália que estava com as sobrancelhas levantadas esperando a continuação da minha frase.
— Eu me chamo Bethânia, mais você pode me chamar de Bê... já que seremos amigas de agora em diante. — dei um sorriso e pisquei um olho pra ela.
— Eu não me lembro de você. E olha que eu conheço todo mundo nessa cidade. Eu praticamente nasci aqui! Só não nasci porque não tem hospital em Cliffside Park. E meu pai é o prefeito, então, você acaba conhecendo todo mundo! — ela sorriu. Só que dessa vez eu vi um pouco de tristeza em seus olhos. Resolvi ignorar, porque acabei de conhecer a garota e não pegava bem ficar perguntando se ela estava triste.
— Bem, eu não sou daqui. Eu me mudei há pouco tempo para cá, sou de Nova York.
— Sério?! Então quer dizer que eu sou a única pessoa que você conhece da escola? — ela olhou para mim como se eu fosse um animalzinho perdido precisando ser adotado. E ela seria a salvadora da minha vida social.
— Bem, se você tivesse chegado há uma hora e meia atrás na minha vida eu diria que sim. Mas, pra te animar você é a primeira menina que eu conversei nessa escola!
— Ummmmmm!!! Única menina, heim? Quem é o bondoso rapaz que já garantiu a vaga de “HUM… Bem vindo a nossa esplendorosa escola?” — ela soltou uma gargalhada sarcástica e eu balancei a cabeça entrando na onda e rindo junto com ela.
O senhor Geraldo entrou na sala praticamente gritando e exigindo atenção total.
— Bom dia! Bom dia! Atenção! Atenção! Nesta sala você expõe os seus pensamentos em um pedaço de papel usando um lápis! Então, vamos cortar as conversas paralelas e colocar o caderno por sobre a mesa. — ele gritou ao caminhar em direção a sua mesa. Ele tinha a aparência de ser bem simpático, alto, forte e careca. Não sei se careca por opção ou por falta de cabelo mesmo, eu só sei que o sorriso dele era radiante e mesmo diante da gritaria com que ele entrou na sala, dava pra ver que todos gostavam muito dele.
Eu tratei logo de colocar o meu caderno na mesa e quando olhei ele havia se assentado na cadeira e colocado as pernas sobre a mesa. Com a boca aberta de choque e sem entender nada percebi que as conversas paralelas haviam cessado e que toda a atenção estava nele, mas era uma atenção cheia de entusiasmo.
— E aí pessoal? Como foram as férias de verão? Espero ter redações cheias de aventura e românticos passeios pela praia… — ele soltou uma gargalhada longa e engraçada fazendo com que o restante dos alunos o acompanhassem.
— Yes, yes, yes!!!! Em menos de dez minutos de aula estou amando este professor. — a Bethânia interior dava rodopios de alegria. Deve ser porque se lembrou da senhora Lídia, que foi um calo no meu pé o ano passado! Tadinha... Ela só queria o meu bem, porém para conseguir arrancar as redações fantásticas de dentro de mim ela quase me levou à loucura. Meu Deus! Como estudei! E graças às recomendações dela e a minha nota alta no teste do estado, aqui estou eu... Literatura do segundo ano do colegial. Nível super avançado para alegria da minha mãe!
— Não pense que eu esqueci não viu! Quero saber tudo sobre esse mocinho que você conheceu mais cedo. — a Natty virou de repente e indagou com um olhar de fera ferida. E na mesma rapidez virou novamente para a frente e voltou a prestar atenção no senhor Geraldo.
— Nada de redações sem graça! Quero detalhes, emoção, até lagrimas se possível for! Eu quero reviver esses últimos meses com vocês! E nada de mentiras, eu quero histórias verdadeiras!!! Mãos à obra! Vocês tem meia hora em sala de aula hoje, quanto tempo quiserem em casa, e segunda eu não vou estar aqui, então, já passei para a professora substituta que vocês vão estar trabalhando nesta redação. Quero obras dignas de alunos em literatura avançada!
Ao terminar, ainda com os pés sobre a mesa ele tirou um iPad da bolsa e começou a fazer a chamada! Minha atenção voltou para Natália. Que menina bacana!
— Bacana e linda! — a intrometida resmungou em minha mente.
— Um pouco dark pro meu gosto, mais ela é gente boa!
Dark? De dark ela só tem a roupa, que ao reparar melhor - que roupa. Viajei no “look” dela. Uma blusa de alça de couro com uns detalhes de metal, uma saia curta cinza acompanhada de uma legging de couro preta e uma bota de arrasar! Um rosto de menina, com uma maquiagem enfumaçada nos olhos, trazendo destaque aos seus olhos cor de mel e o cabelo tingido de loiro cobreado, quase ruivo. Ela era loira natural dava para ver pela raiz do seu cabelo, que aliás estava bem curtinho, um corte super masculino mais que caiu como uma luva no rosto de menina meiga e olhar misterioso que ela tinha. Nada parecida com as minhas amigas do presente e do passado. Mas, de alguma forma eu sentia que a nossa amizade iria dar certo.
— Bethânia? Bethânia Smith? — a voz do professor Geraldo me trouxe de volta a realidade.
— Presente. — respondi meio sem graça porque toda a sala estava olhando para mim.
— Você é nova no colégio, certo? — ele perguntou.
— Sim. — respondi com a minha cara de pimentão. Será que todo mundo precisa saber deste mero detalhe?
— A senhora Kim me passou a carta de recomendação da professora Lídia. Pelo que li, vou amar as suas redações. — com um sorriso de seja bem-vinda no rosto, ele continuou a chamada.
“Era só o que me faltava! Mais um para pegar no meu pé! Achei que ia ficar meio neutra nesta sala e o bendito professor já está entusiasmado para ler a minha redação.”
Deitei sobre os meus braços na cadeira e minha vontade era de sair correndo. Não quero estar aqui, quero estar na minha escola com os meus amigos, onde não preciso provar nada para ninguém. Todos já me conhecem e sabem exatamente quem eu sou.
— Psiu. — a Natty cutucou a minha cabeça.
— Quem é o menino senhorita escritora?
— Para de graça, eu não sou escritora nenhuma. A minha professora que foi bondosa demais na carta.
— Capaz! Eu quero mais é que você seja a melhor escritora desta escola. Se esqueceu que é você que eu vou procurar quando estiver perdida em uma redação?
Eu dei um sorriso e balancei a cabeça. Quem aguenta essa Natália.
— E não vai disfarçando não... Você ainda não me falou o nome do garoto.
— Mark, Mark, Mark, satisfeita?
— Sobrenome? — ela perguntou com um olhar de detetive.
— Eu só conheci o menino, não peguei a ficha completa dele não. Mas, se eu pudesse dar um sobrenome a ele seria… Mark deus grego.
— Ummmmm, então quer dizer que você já conheceu o Mark Jones. Ele não perde tempo mesmo! — ela sorriu e balançou a cabeça.
— Como assim? Você conhece o Mark? — perguntei e meu coração disparou.
— Meninas… Meninas... Redação!!! — o professor Geraldo cortou o nosso papo bem quando eu estava ficando interessada.
Depois da belíssima chamada de atenção, não ousamos virar para continuar a conversa. E eu passei o resto da classe brigando com a minha redação. Tentando escrevê-la sem mencionar a bomba do verão... a vergonha de pensar que o John sentia algo por mim além de amizade.